Sudão: A fuga dos sobreviventes do massacre de El-Fasher é marcada por mais violência e fome

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Para quem sobreviveu ao massacre de El-Fasher, cidade na província de Darfur que, no fim de Outubro, foi palco de um dos mais sangrentos episódios da guerra civil sudanesa, o caminho ainda não terminou. Quem sai da cidade traz relatos de chantagem, insultos, violência sexual e execuções sumárias por parte das Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês).

Depois de um cerco de mais de um ano e meio, o grupo paramilitar conseguiu capturar a cidade de El-Fasher, o último bastião do Governo sudanês na região. Não se sabe ao certo quantas pessoas ainda estavam na cidade nessa altura. Algumas estimativas apontam para 170 mil a 250 mil pessoas. Quase 82 mil terão conseguido fugir, de acordo com os números da ONU, mas a realidade é que não se sabe ao certo onde estão. Algumas organizações humanitárias, como a Médicos sem Fronteiras, temem que muitos continuem presos na cidade, sem terem como fugir ou mantidos como reféns.

Quem consegue, procura refúgio nas cidades vizinhas, como Tawila, a cerca de 50 quilómetros de El-Fasher, que terá recebido cerca de 9000 deslocados – a juntar aos cerca de 600 mil que já lá estavam desde Abril, no rescaldo do mortífero ataque ao campo de Zamzam. Outras tentaram cruzar a fronteira com o Chade, a cerca de 300 quilómetros, onde encontram refúgio no campo de deslocados de Tiné, perto da fronteira entre os dois países.

Qualquer que seja a rota escolhida, o caminho não está isento de perigos. Membros do grupo paramilitar patrulham a zona com carrinhas brancas, “paravam-nos e feriam-nos”, conta Hamza Assadeck Abdoulrahman, que ficou em El-Fasher com o pai para combater, numa altura em que o resto da família já estava no Chade. Falou com o Libèration em Tiné, na fronteira. “Chamavam-nos filhos da puta, escravos, negros”, recorda. “Põem algumas pessoas de parte, roubam-nas ou então atiram aleatoriamente se forem negras.”

Quase todas as pessoas que falam com o jornal francês contam uma história parecida da fatídica noite de 25 de Outubro: o medo, a tentativa de fuga nocturna, as execuções sumárias nas ruas da cidade, os cadáveres em trincheiras. Hamza recorda ter-se tentado esconder, durante a fuga, numa trincheira, onde encontrou três corpos sem vida. Acredita serem traficantes mortos ao tentarem entrar com mantimentos, tentando contornar o bloqueio a que foram sujeitos os residentes em El-Fasher durante mais de 500 dias.

Mouna Mahamat Oumour, 42 anos, foi das que conseguiu fugir com os três filhos, alguns vizinhos e familiares. O grupo foi atingido por um projéctil, que feriu duas pessoas e matou outras: “Quando me virei, vi a minha tia dilacerada. Cobrimos-lhe o corpo com um pano e continuámos a caminhar”. “Não conseguíamos mais chorar”, afirma. Conta também histórias de chantagem, nos vários checkpoints das RSF: “Têm telefones ligados ao [satélite] Starlink e forçam as pessoas a ligar aos seus familiares para que consigam enviar dinheiro para continuar a viagem.”

As mulheres, em particular, enfrentam mais perigos. A violência sexual é usada como arma de guerra “de forma deliberada e sistemática”, de acordo com a directora regional da ONU Mulheres, Anna Mutavati, citada pela Reuters. “Os corpos das mulheres tornam-se um cenário de crime no Sudão. Não há espaços seguros.”

A tudo isto junta-se a fome. Com um cerco que impediu a entrada de comida, muitos dos que saem estão em estados graves e malnutrição. O cenário é particularmente grave junto das crianças: 70% das que fugiram tinham malnutrição aguda e 30% malnutrição aguda severa, de acordo com os Médicos Sem Fronteiras. “Tínhamos tanta fome que começámos a comer ração animal”, conta uma mulher citada pela organização. “No início era de graça, mas depois tínhamos de a comprar”, recorda. Um quilo e meio chegou a custar cerca de 18 euros em Junho.

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