A crise climática continua a agravar-se e o oceano é o primeiro a senti-lo

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O último Boletim de Gases com Efeito de Estufa da Organização Meteorológica Mundial (OMM) indica que a concentração média global de dióxido carbónico (CO2) atmosférico atingiu 423,9 ppm (partes por milhão) em 2024, sendo que o aumento registado entre 2023 e 2024 foi de 3,5 ppm – o maior aumento anual desde que há registo.

O boletim atribui este fenómeno às emissões de CO2 de origem fóssil, ao aumento das emissões provenientes de incêndios e à redução da capacidade de sequestro dos reservatórios de carbono terrestres e do oceano. Uma combinação que demonstra que a biosfera e o oceano estão a perder a capacidade de absorção de carbono.

Em 2024, a temperatura global atingiu também o valor mais elevado de sempre, e, pela primeira vez, a temperatura média global anual foi 1,55 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Deste modo, o alerta lançado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, é sóbrio: a ultrapassagem do limite de 1,5 graus Celsius é agora “inevitável”, com “consequências devastadoras”, a menos que os países “mudem de rumo imediatamente”.

No entanto, é a publicação do Global Tipping Points Report 2025 que traz a notícia mais alarmante do ano: a ultrapassagem de um ponto de ruptura climático à escala planetária – os recifes de coral de águas quentes.

Agravamento das médias anuais sucessivas de dióxido de carbono (CO2)
Fonte: Boletim de Gases com Efeito de Estufa da OMM

Após o pior episódio global de branqueamento de corais já registado (2023–2025) e com a estimativa central do seu limiar térmico (~1,2 graus Celsius acima do nível pré-industrial) já ultrapassada, mesmo que o aquecimento global estabilize em 1,5 graus Celsius, a perda funcional generalizada é praticamente certa.

Nos últimos três anos, o aquecimento do oceano atingiu máximos históricos, contribuindo para o branqueamento catastrófico de corais em mais de 80% dos recifes mundiais. Preservar a funcionalidade dos recifes exige trazer a temperatura global de novo abaixo de 1,2 graus Celsius, enquanto se reduzem substantivamente pressões locais como a sobrepesca e a poluição.

Outubro ficou também marcado pelo bloqueio das negociações para a criação de uma taxa global sobre emissões do transporte marítimo internacional na Organização Marítima Internacional. Esta medida, que poderia gerar financiamento para a descarbonização do sector e a adaptação dos países mais afectados, foi travada por pressões políticas, incluindo ameaças de retaliação comercial a Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento por parte dos EUA.

Apesar da centralidade do oceano na regulação climática, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) não conseguiu ainda integrar o oceano nos seus processos. Os recifes de coral de águas quentes são agora o maior símbolo desta negligência sistémica. O colapso dos corais é um reflexo das consequências políticas de manter o oceano à margem das decisões multilaterais.

A distância entre o oceano e a política climática não é uma lacuna de conhecimento, mas sim institucional e política.

O trabalho sobre o oceano no âmbito da Convenção continua a depender de plataformas informais e iniciativas voluntárias, com poderes limitados e ausência de linhas de reporte vinculativas aos resultados da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP).

Face a esta urgência, o que se pede aos Estados-Membros é claro: a COP30 tem de passar do diálogo à implementação, tratando o oceano como o sistema central climático que é.

É essencial que os países integrem medidas quantificadas e orçamentadas nas suas contribuições para a implementação do Acordo de Paris (NDC), nomeadamente:

  • Adoptar indicadores relevantes para o oceano e biodiversidade;
  • Criar uma linha de financiamento azul vinculada aos fundos da Convenção;
  • Garantir o princípio da precaução relativamente à remoção de dióxido de carbono marinho (mCDR) no âmbito do Protocolo de Londres;
  • Alinhar as contribuições e outros planos nacionais com o regime do Tratado do Alto Mar (BBNJ, na sigla em inglês) e o Quadro Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal (QGB) de forma a desenvolver instrumentos de coordenação e gestão coesos entre o oceano, clima e biodiversidade.

Na passada quinta-feira, durante a abertura da Cimeira do Clima, o Presidente Lula afirmou que a COP30 é a “COP da verdade”. A verdade é que há três décadas que a COP falha em encontrar soluções para o clima porque há três décadas que marginaliza o seu maior aliado. Sem o oceano, não há solução viável para o clima e por isso qualquer solução aquém deste plano de acção agravará a lacuna estrutural entre o oceano e a política climática, precisamente quando o oceano sinaliza a primeira falha sistémica do planeta.

Terminamos o primeiro quarto do século XXI e continuamos sucessivamente a aumentar emissões. O oceano tem vindo a suportar a divida ambiental que a actividade humana tem causado no planeta desde a revolução industrial.

Exactamente por isso, encontramo-nos agora num cenário em que o oceano já não pode esperar mais.

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