
Escrevi, aquando da divulgação do relatório preliminar elaborado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), a 6 de Setembro de 2025, que a causa de base do acidente com o Elevador da Glória, que ceifou 16 vidas e deixou muitas outras profundamente afetadas, era sistémica. Lendo agora o segundo relatóriopercebe-se que é mesmo assim. E é assustador.
De inegável qualidade, este relatório não é conclusivo acerca da causa direta do ocorrido, no sentido em que não consegue ainda identificar o evento específico que produz a rotura do cabo, mas deixa claro que a forma como a empresa opera em temas fundamentais para a segurança é, no mínimo, displicente.
O elenco de anomalias é impressionante. Eis as mais gritantes: o cabo em uso é incompatível com o sistema mecânico de amarração; a especificação de aquisição do cabo não é respeitada e isso não é detetado; o comportamento – se não anómalo, pelo menos surpreendente – do cabo aquando da instalação não é reconhecido como tal, ou é simplesmente ignorado; a equipa de manutenção não é qualificada; há incoerência entre os critérios de inspeção e o programa respetivo; a instalação/fabrico da peça crítica de todo o sistema – a “pinha” – é realizada segundo processo empírico, “descrito num caderno manuscrito”; e, em cima de tudo isto, o sistema de freio de emergência não é suficientemente potente para travar o veículo no caso da rotura do cabo… sendo essa evidência conhecida e comentada na empresa há anos! Adicionalmente, percebe-se que não há supervisão independente e que tal foi assumido e aceite por todas as entidades envolvidas.
Sabemos bem que um acidente grave em infraestruturas ou equipamentos raramente é consequência de apenas uma causa, sendo sempre produto de uma acumulação delas, muitas vezes de origens diversas, que concorrem para o desastre. O caso do Elevador da Glória é paradigmático nesse sentido. No que não é paradigmático é na evidência de que uma parte importante das causas, se não as determinantes, são sistémicas. Ou seja: a responsabilidade pela segurança do equipamento está entregue a um sistema, entendido como um conjunto coordenado de organizações, processos e pessoas que, a todos os níveis, falha redondamente. E é o mesmo sistema que (não) garante a segurança da frota de elétricos a operar em Lisboa…
Vai ainda ter de se identificar a causa principal que deu origem ao acidente. É até possível que se encontre um ou mais indivíduos diretamente responsáveis, por ação ou omissão. Mas não nos enganemos: a culpa pode não morrer solteira mas a responsabilidade sistémica é o falhanço coletivo que está na base do ocorrido.
Portanto, vai ser mais fácil encontrar culpados do que assumir o problema na sua origem: a fragilização das instituições públicas que decorre da extrema descapitalização técnica, social e financeira a que vêm sendo sujeitas. Podemos manter empresas públicas que têm implementados sistemas que não garantem a segurança do utilizador? Pode o cidadão confiar neste Estado?
O autor escreve segundo o acordo ortográfico de 1990
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