Rastejar para sair do comboio ou “ficar esquecida”: viajar na CP ainda é uma odisseia para pessoas com mobilidade reduzida

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Para Pedro Bártolo, atleta de basquetebol em cadeira de rodas (BCR), as viagens na CP há muito que deixaram de ser opção. Mas Pedro abriu uma excepção quando o carro avariou e recorreu ao comboio para fazer “nada mais do que uma viagem económica e confortável rumo a Lisboa”.

Numa partilha no Instagram, em que acusa a empresa de mais um episódio de “discriminação grosseira”, o mais “marcante e difícil de digerir que já presenciou”, o atleta de Vila Nova de Gaia relata que um erro no Serviço Integrado de Mobilidade (SIM), que começa num formulário com submissão obrigatória seis horas antes da viagem, quase o impediu de partir rumo a Santa Apolónia.

Conhecendo de antemão as dificuldades que as pessoas com mobilidade reduzida sentem na hora do embarque, o gaiense envergou pelo caminho alternativo – contactar a linha de apoio 24h da empresa – também sem sucesso. Face a esta problema e já com o bilhete adquirido, Pedro Bártolo dirigiu-se atempadamente para as bilheteiras da estação de Campanhã, mas, ao chegar ao local, a rampa que permitia entrar no comboio intercidades, colocada por funcionários da CP, não estava disponível.

Por ter essa possibilidade, Pedro Bártolo costuma viajar num veículo pessoal
Manuel Roberto

“Na estação, as coisas não correram particularmente mal, já que o funcionário foi muito prestável e disse que ia tentar resolver”, sublinha. Apesar de a viagem ter seguido sem problemas, no desembarque, a confusão e inacção dos funcionários presentes no local levaram Pedro a sair da cadeira de rodas e a rastejar para fora do comboio, sendo depois apoiado pela namorada e uma outra passageira.

“Dizem-nos sempre que vão ver se é possível arranjar alguém para colocar a rampa. Este ‘vamos ver se é possível’ aumenta o temor, já de si generalizado, das pessoas com deficiência em utilizarem os transportes públicos”, constata, ao explicar que são vários os relatos semelhantes porque não existe uma “solução plenamente autónoma para uma pessoa com deficiência”, ao contrario do que se vê em países como Espanha e Itália.

Com paralisia cerebral, Daniela Braga conhece bem a realidade da CP e também dá voz às frustrações de Pedro Bártolo. Por ter alguma mobilidade, a portuense costuma viajar sozinha e, entre idas e vindas de Lisboa, sempre utilizou o comboio. “Quando viajo, já sei ao que vou e chego mais cedo à estação. Já me disseram que não tinham nenhum pedido SIM submetido porque, por vezes, esse processo tem erros”, revela.

Depois de inúmeros episódios, Daniela Braga procurou outras opções
Manuel Roberto

Em informação divulgada no site da CP, o Serviço Integrado de Mobilidade (SIM) registou 4657 pedidos em 2024, o que representa um crescimento de 27% face ao ano anterior. No entanto, até à data, a empresa não respondeu às questões levantadas pelo PÚBLICO, quanto à colocação das rampas, número de queixas, formação dos trabalhadores e novas medidas para melhorar a acessibilidade nas estações e comboios.

A CP afirma que contacta o requerente a confirmar ou não o pedido, mas, não raras vezes, Daniela não obtinha qualquer informação e, mesmo quando explicava o sucedido nas bilheteiras da estação, a resposta era sempre a mesma. Os funcionários, como explica, são apanhados de surpresa e “respondem sempre a dizer que devia ter confirmado antes de me deslocar à estação”.

​Sabendo de antemão os problemas na colocação da rampa para embarcar nos comboios intercidades, a solução passou por recorrer ao “único serviço acessível”, os Alfa Pendulares. Apesar das opções mais económicas disponíveis, já que clientes com um grau de incapacidade igual ou superior a 80% têm acesso a bilhetes com descontos de 75%, este serviço – o mais caro – é o único que dispõe de uma “rampa elevatória já incorporada”.

Daniela procurou outras alternativas como a Rede Expresso e aplicações de transporte como a Uber, em que chegou a ter viagens recusadas “por o serviço ser de transportes de pessoas e não de mercadoria”. A solução continua a ser o comboio e a CP, muito devido ao trajecto linear de entrada e saída no começo e final do percurso, mas o mesmo não acontece quando este exige transbordos.

“Os próprios funcionários são os primeiros a recomendarem-me não fazer transbordo porque posso ficar esquecida, como já aconteceu. Parece que não temos direito à vida só porque a CP está repleta de problemas, mas nós [pessoas com mobilidade reduzida] também somos clientes”, reitera, ao alertar para a diferença de abordagem e tratamento entre os diversos funcionários. “Parece que não têm qualquer formação”, completa.

A falta de acessibilidade é também um problema nas estações fora dos grandes centros urbanos. Na Covilhã, Marta Varino recebe visitas da prima de 16 anos, com mobilidade reduzida, que frequentemente utiliza o serviço intercidades oriundo de Santarém. Apesar de não ser a cuidadora, é Marta que trata do processo de compra do bilhete e pedido SIM através do site e do contacto telefónico.

“Sempre que o faço, entre uma ou duas horas, sou contactada pela CP a confirmar o serviço e questões relacionadas com a cadeira de rodas”, explica. No entanto, os problemas ocorrem na “comunicação dentro da empresa” e, face à “nula evolução” das condições das estações e carruagens, os imbróglios vão-se somando.

Excepto os Alfas Pendulares, todos os restantes serviços necessitam de uma rampa para nivelar o cais e a entrada do comboio
Manuel Roberto

Quando a linha do comboio intercidades ainda tinha Covilhã como última paragem, “há três ou quatro anos”, como Marta vai contando, a prima ficou retida mais de uma hora dentro da carruagem. “Depois de tudo estar confirmado, ao chegar à estação, não havia ninguém para levar a plataforma até à porta do comboio. O revisor tentou contactar uns colegas, mas a rampa estava fechada com um cadeado”, conta, ao sublinhar que, como é móvel e manual, são necessários dois funcionários para a colocar em funcionamento.

Com a expansão da linha, que agora chega até à Guarda, Covilhã tornou-se numa estação de transbordo. Por esse motivo, ao deparar-se com transtornos semelhantes na hora da colocação da plataforma, um “revisor insistiu que o comboio não podia ficar parado, mas não ofereceu outra solução”. “A minha prima acabou por ser retirada em braços por duas pessoas externas à CP, mas que vinham no comboio e se disponibilizaram para ajudar. Por norma, os revisores não conseguem dizer se o serviço vai estar ou não disponível ao chegar à estação de destino”, completa, ao reiterar que esta falta de acessibilidade afecta também pessoas mais idosas e com menos mobilidade que utilizam este serviço.

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