A perda da hipocrisia

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Os membros do Knesset israelita passaram hoje um projeto de lei preliminar que abre caminho para a anexação da Cisjordânia. A resposta do partido do primeiro-ministro israelita, o Likud, foi de que esta é uma tentativa de minar as relações entre Israel e os Estados Unidos, assim como minimizar os ganhos da guerra. Afinal, “nós fortalecemos os assentamentos todos os dias com ações, orçamentos, construção, indústria, e não com palavras”. De acordo com o jornal Times of Israel, o partido sustentou: “A verdadeira soberania vai ser atingida não com uma lei de demonstração (show-off) para o protocolo, mas trabalhando propriamente no terreno e criando as condições políticas adequadas para o reconhecimento da nossa soberania, como foi feito nas Colinas de Golã e em Jerusalém”.

Ora, está tudo dito e repetido para quem queira ouvir: não vai haver um Estado Palestiniano, o governo israelita pretende anexar os territórios e toda a tentativa de oficializar isto agora em lei é apenas uma performance política, porque quem está comprometido de verdade com este processo não fala, faz. Se há alguma dúvida sobre a intenção israelita de embarcar num processo de paz com uma via política para os palestinianos, mesmo que como parte de um acordo restritivo que não apresenta quaisquer condições de concretização ou sequer inclui a voz palestiniana no processo, penso que estamos esclarecidos.

Não vale a pena continuar a minimizar o que é dito e repetido à luz do dia, sem vergonha e sem pudor. E isto é resultado direto da liderança de Donald Trump na Casa Branca, que levou a uma completa eliminação da hipocrisia no sistema internacional. Quando falamos em hipocrisia, pensamos numa palavra negativa, no jogo mentiroso e na tentativa de ludibriação dos factos. Mas hoje percebe-se que a hipocrisia é, na verdade, essencial, porque representa a existência de alguma bússola moral e da sensação de que há limites e nem tudo é permitido.

Com a Riviera de Gaza, com a capitulação da Ucrânia, com o desabamento das relações entre EUA e União Europeia, Donald Trump disse para o mundo que entramos, de vez, na era do contra-factual. Tudo pode ser dito e, no dia seguinte, contrariado. Mesmo que existam vídeos e provas, os factos já não importam no mundo da pós-verdade. E isto se expande de forma nefasta por todo o mundo, incluindo nos nossos países e nas democracias ocidentais. A consequência direta disto é que nem hipócritas temos mais que ser. E com a perda da hipocrisia, vem a perda da vergonha e da moralidade.

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