A Associação de Artistas Visuais em Portugal (AAVP) considera que o conselho de administração do Centro Cultural de Belém (CCB) “compromete todo o programa cultural ali apresentado” por ter alugado uma sala a uma fundação de partidos da extrema-direita europeia.
Em causa está a realização, no passado dia 17 de Outubro, no Centro de Congressos e Reuniões do CCB da primeira reunião da Fundação Patriots, que congrega “os partidos da extrema-direita europeia liderados por Viktor Orbán, Marine Le Pen e Jordan Bardella, Santiago Abascal ou André Ventura“, enumera o comunicado da AAVP, emitido esta quarta-feira e assinado pelos três elementos da direcção.
“Quais os critérios que superintenderam este acolhimento?”, interroga a AAVP no comunicado, pondo ainda em questão: “Será que uma entidade pública, de âmbito cultural, como o CCB, valida a ocupação-aluguer de um espaço público apenas numa perspectiva comercial e eventualmente partidária, alheando-se totalmente do que ali é apresentado?”
Para a Associação, a “administração do CCB não pode responder laconicamente que rege “a sua política comercial por princípios de respeito pela legalidade, liberdade e tolerância”.
A resposta do CCB, continua a AAVP, parece “um argumento falacioso e insuficiente”, nomeadamente quando se trata da “promoção e disseminação de ideias que promovem exactamente a degradação da liberdade e da tolerância”.
“E é preciso não esquecer que o CCB foi construído para ser a sede da Presidência da União Europeia, em 1992, um lugar para acolher os valores democráticos”, frisa ainda o comunicado da mesma associação.
A justificar o que sustenta, a AAVP transcreve um excerto do programa que a Fundação Patriots for Europe discutiu e defendeu no CCB, no qual alega que a “ideologia [que define como] woke” corrói os “alicerces da liberdade de expressão e da identidade nacional”, desafiando “os verdadeiros defensores da Europa a resistir aos comissários culturais e a recuperar o direito de dizer verdades sem filtros”.
“O conselho de administração do CCB compromete assim, com este tipo de decisões, todo o programa cultural que ali é apresentado, pondo em causa os valores democráticos e de valorização cultural que pretende transmitir para o exterior e para a sociedade”, sustenta o comunicado da AAVP, sublinhando que “não pode ser complacente” com situações semelhantes.
“Neste mundo turbulento em que vivemos, somos diariamente confrontados com notícias que testemunham o avanço destes discursos ameaçadores e gestos de sectarismo, seja no funcionamento das instituições, seja no revisionismo que tentam implementar nos espaços culturais”, acrescenta a AAVP.
“As lições da história mostram como ciclicamente existiram atentados à liberdade de expressão dos quais resultaram a ascensão de ideologias autoritárias e consequentes regimes ditatoriais”, acrescenta a associação, considerando que administração do CCB “tem um compromisso ético” com os profissionais que ali trabalham, com os artistas, com programadores e produtores, e “com o público que visita as exposições e enche as salas de espectáculo”.
A AAVP insiste ainda que “não pode tolerar este tipo de apropriação política de sinal radicalmente contrário de um espaço cultural que, numa democracia, é um lugar onde a liberdade de criação, onde a diversidade e a inclusão são valores primeiros e fundamentais”.
E afirma “não querer” um espaço público onde os princípios básicos da liberdade são questionados e desvirtuados por discursos populistas, novas narrativas nacionalistas, que manipulam a verdade para tentar vencer com a arma da demagogia.
“O Estado Português e o actual conselho de administração do CCB têm o dever de se distanciarem, garantindo com clareza que situações semelhantes não poderão voltar a acontecer”, escreve a direcção da associação, acrescentando que a cultura “é um espaço de criação e discussão, uma plataforma para falar sobre os direitos humanos, da democracia, do pluralismo, da tolerância, da igualdade”.
A AAVP, concluiu, “repudia qualquer tipo de discurso que veicule o enfraquecimento e adulteração dos valores da liberdade e da democracia” e, como estrutura representativa dos artistas visuais, “expressa publicamente as preocupações de numerosas/os artistas, tendo também recusado o convite para participar no Fórum Cultura organizado pelo Ministério da Cultura, Juventude e Desporto, realizado esta quarta-feira no CCB”.
Estando elementos da AAVP presentes na exposição Avenida 211, a inaugurar na sexta-feira no Museu de Arte Contemporânea/CCB, a associação termina o comunicado expressando “o desconforto que alguns destes artistas sentem ao apresentarem o seu trabalho num espaço cultural que acolheu promotores de uma ideologia que pretende interferir e manipular o pensamento livre dos criadores”.
Reacções
A primeira reacção à realização do encontro da Fundação Patriots, no CCB, a vir a público foi a do encenador Pedro Penim, no sábado, que se demarcou publicamente da administração daquele centro cultural, alegando motivos de “coerência institucional, mas também de integridade pessoal e política”.
Em declarações à Lusa, Penim sublinhou “esperar” que o conselho de administração do CCB se posicionasse “por ter acolhido aquele encontro da Fundação Patriots.
Também na segunda-feira, o conselho de administração do CCB disse à agência Lusa que “o evento em referência ocorreu na sequência de um aluguer de sala no Centro de Congressos e Reuniões do CCB, para realização de um evento privado, cujo conteúdo concreto não era conhecido”.
“O Centro de Congressos e Reuniões do CCB realiza mensalmente dezenas de eventos privados promovidos por entidades terceiras e actua no mercado dos eventos desde a sua fundação em 1993, motivado pela realização da primeira Presidência Portuguesa da União Europeia, gozando de grande prestígio como prestador de serviços nesta área, e regendo a sua política comercial por princípios de respeito pela legalidade, liberdade e tolerância”, acrescenta a nota da administração do CCB.
Para Pedro Penim, a realização, na sexta-feira, no CCB, “de um evento promovido pela chamada Fundação Patriots, publicitado pelo Chega e com a presença de figuras de extrema-direita, transforma um espaço cultural público numa plataforma de legitimação institucional de discursos que negam os valores da liberdade e da igualdade”.
A conferência da Fundação Patriots, subordinada ao tema The great pushbak – Freedoom first, foi publicitada pelo eurodeputado do Chega, António Tanger Corrêa, que em diferentes post nas redes sociais X e Instagram elogiou “a primeira conferência em Portugal da Fundação dos Patriots”, com a afirmação de que “o green deal é para suspender”: “O Great Pushback começa agora! Fiquem atentos – isto é só o começo!”
A Fundação Patriots, que congrega eurodeputados do grupo Patriotas pela Europa do Parlamento Europeu, em que o Chega está integrado, apresenta-se na sua página, na Internet, como “uma fundação política europeia”, em oposição “a qualquer transferência de soberania nacional para organismos supranacionais e/ou instituições europeias”.
No seu site, tem publicações sobre o que chama “neo feminismo” como ameaça à segurança das mulheres, o controlo da imigração como “grande desafio a vencer pela Europa” e, como exemplo de que a liberdade de imprensa está em risco nos países ocidentais, a prevalência de críticas ao governo de Viktor Orbán e ao seu autoritarismo, no poder na Hungria desde 2010.
Pedro Penim, que também é director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, disse à Lusa na segunda-feira que a sua posição “é uma coisa muito pessoal, mas tem as implicações que tem”. Questionado sobre se essa sua opinião pessoal implicaria não levar espectáculos do TNDMII àquele centro cultural, Penim disse: “Não há nenhuma previsão de o TNDMII fazer espectáculos no CCB.”
Para o encenador e director deste teatro nacional, “é necessário, de alguma forma, [que haja] alguma justificação (…) minimamente aceitável para aquilo que aconteceu”.
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