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Andar com fé e riso
Assisti ao especial de Natal do Porta dos Fundos — produtora brasileira de humor— em uma sessão de estreia no Cinema São Jorge, com um convidado especial, Ricardo Araújo Pereira.
A plateia foi convidada a assistir ao especial, que este ano assume o formato de um stand-up comedy natalino. Após a exibição, houve uma conversa entre Fábio Porchat e Ricardo Araújo Pereira sobre o que vimos na tela grande, com direito a perguntas do público. No centro da discussão estavam os limites do humor quando o assunto é religião e o que leva o ser humano a acreditar em Deus.
No especial, Fábio Porchat interpreta Jafé, um cômico da época do ano 30 d.C., que se apresenta em praça pública comentando parábolas do antigo testamento — passagens da Bíblia pouco conhecidas e, digamos, bastante estranhas. Um exemplo é o pedido do Rei Saul a Davi, de lhe trazer 100 prepúcios de filisteus como dote para se casar com Mical, filha mais nova do rei. A partir daí, é possível imaginar as “loucuras bíblicas” que se seguiram e o quanto as histórias narradas por Porchat arrancaram gargalhadas da plateia.
São as licenças concedidas ao humor para falar de algo imaterial que move o mundo, sem que possamos entender ou explicar completamente: a fé em um Deus criador e todo- poderoso.
As questões em debate são as mesmas desde sempre: o que estamos fazendo neste planeta e para onde vamos — se é que vamos? Chega a ser irônico pensar que, após milhares de séculos, conquistas e avanços tecnológicos, o ser humano ainda não tem respostas para as suas questões mais primordiais. Talvez nunca tenha. E, apesar das gargalhadas e das piadas surreais sobre a Bíblia, o assunto tratado era sério e de certa forma, perigoso. Afinal, com religião, não se brinca. Não foi isso que sempre ouvimos?
Quantas pessoas se deixam manipular, aceitam verdades inquestionáveis — por mais absurdas que pareçam — tudo em nome da fé, do dogma ou da doutrina da religião que escolheram seguir.
Durante a conversa após a exibição, me lembrei de um episódio com meu filho, que na época tinha oito anos. Ele e um grupo de amiguinhos da escola foram matriculados na catequese. Tomei essa iniciativa, porque os amigos acompanhavam e quis que ele experimentasse, sem intenção de forçar absolutamente nada. A catequese, no entanto, não deu muito certo. O grupo agitado de meninos foi gentilmente convidado a sair, pois fazia muita bagunça durante as aulas.
Enquanto ainda frequentava as sessões, perguntei um dia se ele estava gostando da catequese. A resposta me fez rir e traduziu um sentimento que eu carregava desde a infância.
— Mãe, eu acho a catequese meio chata. É sempre a mesma coisa.
— Como assim, filho?
— Ah, eu já conheço Jesus, os amigos do Jesus (no caso os apóstolos), sei que Jesus é filho da Maria que namorava o José, que era lenhador. Mas ele não é filho do José, é filho de Deus. O José sabe disso e não ficou bravo com Deus.
Foi impossível conter o riso. E, de fato, é uma história confusa — assim como o próprio sacrifício de Deus pela humanidade, punindo o próprio filho. Eu também não concluí a catequese e nunca compreendi como ou por que Deus faria isso.
O fato é que precisamos acreditar em algo que possa justificar nossa breve passagem por este planeta, e que nos dê esperança de que as experiências não se esgotem aqui. A ausência de fé nos torna vulneráveis e frágeis demais. Nesse sentido, o ato de crer, pode ser interpretado como uma forma de egoísmo humano: acreditamos apenas para nos sentirmos mais protegidos.
Que sigamos então com fé e com riso. Como foi dito durante a conversa após o especial natalino de comédia, o humor nos ajuda a enfrentar o percurso. Então, que não nos faltem boas gargalhadas. Feliz Natal a todos.
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