Apoio domiciliário está “velho” e quem perde somos todos nós

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O envelhecimento da população portuguesa é incontornável. Todos os dias, milhares de famílias enfrentam a difícil tarefa de garantir cuidados dignos a pais e avós. Muitos destes, talvez a maioria, desesperam com a “ideia de serem depositados” numa instituição, e tudo fazem para se manterem próximos da família, dos vizinhos com quem conversam, da autonomia e do conforto do lar que sempre conheceram. Mas a vontade de pais e de avós, por si, não é suficiente. Nem tampouco a vontade de quem procura uma solução, que podia, e em muitos casos devia, passar pelo apoio domiciliário.

A verdade é que esta vontade esbarra num enquadramento legal do apoio domiciliário, refém de um modelo que definha desde o início dos anos 90 do século passado, incapaz de responder às necessidades atuais e futuras. Símbolo máximo deste definhamento é o decreto-lei que regula o ajudante familiar, que é de, pasme-se, 1989. Não é erro, nem gralha: são 36 anos sem qualquer alteração. Só por este pormenor já seria urgente fazer uma atualização, mas o pior é que ignora o papel das empresas privadas, licenciadas pelo Estado, que prestam um serviço essencial à sociedade atual e que é fiscalizado pela Segurança Social.

Com este atraso legal, todos nós perdemos. Todos. Comecemos pelas empresas: são reguladas, por legislação obsoleta e inadaptada ao modelo privado, mas não são reconhecidas como instituições de suporte; são fiscalizadas, sem qualquer noção da realidade operacional, mas não têm qualquer apoio (ao contrário, por exemplo, do sector social); são essenciais para a sociedade, sem elas milhares de pessoas ficariam ao deus dará”, mas são invisíveis, porque não são consideradas por quem de direito.

Perdem as famílias – os tais milhares de filhos e milhares de netos que não encontram respostas públicas para cuidar condignamente dos pais e dos avós. Sem soluções, perdem por serem forçados a recorrer a serviços licenciados com encargos acrescidos, perdem por falta de comparticipações públicas e perdem pelo IVA aplicado a um bem social básico. Perdem ainda mais quando se sujeitam a serviços informais e entidades não licenciadas, à margem de todas as regras.

Perde também o Estado. O apoio domiciliário permite libertar camas nos hospitais, podendo reduzir significativamente os internamentos desnecessários ao tratar em casa quem não precisa de estar num hospital. Com isto estamos a reduzir o risco de infeções hospitalares, mas também aliviamos as listas de espera das reduzidas ofertas públicas. Ou seja, o serviço de apoio domiciliário contribui para a própria sustentabilidade financeira do sistema de saúde e social.

Mas a perda maior, provocada pela (des)regulação que temos hoje, é para o utente, aquele que devia estar no centro de todas as preocupações. Com este atraso de 36 anos, o que fica em causa é a dignidade de quem pode usufruir destes cuidados. É no domicílio, e não no hospital ou no lar, que muitos portugueses encontram a serenidade e o respeito pela sua vida. Mas para este direito ser garantido, o Estado tem de reconhecer as empresas que prestam o serviço de apoio domiciliário como parte integrante da rede nacional de cuidados, ao lado das IPSS e das estruturas públicas.

Este setor, constantemente ignorado, apoia diariamente cerca de 17 mil pessoas, emprega mais de 23 mil profissionais e representa um volume de negócios superior a 130 milhões de euros. É um pilar silencioso, mas indispensável, da resposta social e de saúde em Portugal. A sua contribuição fiscal e o impacto económico são inegáveis, mas o verdadeiro valor está no que não se mede: a tranquilidade das famílias, a autonomia dos idosos e a dignidade de quem envelhece em casa.

O autor escreve segundo o acordo ortográfico de 1990

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