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O ser humano sempre abriu mão de parcela da liberdade em troca de segurança. Foi assim que surgiram fronteiras, passaportes, controle migratório e toda a arquitetura burocrática que regula entradas e saídas. Aceitamos filas, verificações e limitações, porque acreditamos que essa renúncia sustenta um pacto social de segurança. A questão surge quando a própria estrutura que deveria proteger passa a produzir insegurança emocional e desgaste humano.
Vivemos um tempo em que a imigração já não é apenas deslocamento físico. Ela se tornou experiência psíquica, política e simbólica. Mudanças legais, novas diretrizes administrativas e discursos públicos criam uma atmosfera diferente. Em Portugal, essa mudança é perceptível.
Um país que, durante anos, simbolizou acolhimento, passa agora a responder a pressões reais, reajustando regras e reorganizando fluxos. Se trata de movimento compreensível. A Europa enfrenta tensões complexas. Proteger serviços e equilibrar recursos é legítimo. Mas entre a necessidade política e a vida concreta existe um campo que não pode ser ignorado.
Minha mãe, com 73 anos, chegou recentemente a Lisboa vinda do Rio de Janeiro. Após nove horas de voo, permaneceu mais de seis horas na fila de controle da Polícia de Imigração. Em pé. Sem prioridade. Sem cadeira. Sem água. Sem reconhecimento da idade. Minha mãe sustentou a espera, praticou a paciência por um abraço meu e das netas.
Como todos os que entram provenientes de fora do espaço Schengen, aguardou o carimbo que autoriza a passagem. O tempo nos é caro em qualquer idade, mas o amadurecimento nos deixa mais conscientes disso. E o tempo vivido por alguém dessa idade não é igual ao tempo institucional.
Não falo apenas como psicóloga. Falo como filha. Entre indignação e preocupação, percebi que não era apenas um episódio isolado. Era o retrato de um clima social. Há leis em discussão, há alterações no regime migratório, há um país a tentar se reorganizar. Há também silêncio sobre a forma como isso se materializa no dia a dia.
O imigrante já não encontra o mesmo campo simbólico de ser bem-vindo como em outros tempos. Mesmo quem chega para visitar familiares ou contribuir para a sociedade, percebe, ainda no aeroporto, que algo mudou.
Do ponto de vista psicológico, longas esperas em condição de vulnerabilidade ativam sistemas de ameaça. O corpo reage. A mente perde previsibilidade. Em pessoas idosas, os efeitos são mais intensos. Depois de longa viagem, permanecer horas sem apoio básico não é apenas desconforto. É experiência que atinge dignidade, autonomia e a própria sensação de lugar.
Reconheço que Portugal enfrenta dilemas reais. Reconheço a necessidade de proteger os seus, organizar recursos, assegurar Estado Social e evitar colapsos semelhantes aos observados noutros países europeus. Não se trata de condenar o país. Se trata de refletir sobre a forma como políticas necessárias são traduzidas em práticas que tocam pessoas concretas.
O debate não é apenas sobre lei. É também sobre clima emocional. Quando a busca por segurança começa a produzir ameaça simbólica, o pacto social se fragiliza. Quem chega não deveria sentir que a fronteira inaugura humilhação. O controle migratório precisa continuar a existir, mas de modo compatível com dignidade humana.
Minha mãe atravessou a fila. Entrou. Me abraçou. Mas ficou a percepção de que há uma transformação em curso. Portugal continua a ser país de valor cultural e humano. Justamente por isso, merece olhar atento para o modo como recebe quem o procura.
Não se trata de defender portas abertas sem critério. Coloco aqui que é necessário defender processos dignos, claros, organizados e minimamente humanos. Porque fronteiras podem proteger. Mas não precisam ferir.
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