A ecoansiedade está a afectar significativamente os adolescentes portugueses, particularmente aqueles que vivem em áreas urbanas e enfrentam desafios socioeconómicos. A conclusão é de um dos primeiros grandes estudos sobre este tema realizados em Portugal, que também estima que as raparigas têm maior probabilidade do que os rapazes de passar por ecoansiedade, uma resposta emocional à degradação ambiental.
“As raparigas têm uma probabilidade de relatar ecoansiedade 2,5 vezes superior aos rapazes, o que é uma diferença muito grande e provavelmente o determinante mais importante que identificámos”, explica ao Azul a investigadora Ana Isabel Ribeiro, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território, primeira autora do estudo publicado na revista Journal of Adolescent Health.
O género é, contudo, apenas um dos aspectos do quadro complexo da ansiedade ecológica. O estudo destaca uma complexa rede de factores que podem contribuir para esta resposta emocional – que não é uma condição clínica –, incluindo o estado de saúde mental, o rendimento familiar e a exposição a informações sobre clima e ambiente.
Consumo de informação
Os adolescentes que consomem mais produtos mediáticos relacionados com o clima e o ambiente — especialmente documentários — são mais propensos a relatar sentimentos de angústia. “A informação é uma faca de dois gumes”, observam os autores no estudo. “Embora a conscientização possa fortalecer, ela também pode sobrecarregar.”
O estudo revela ainda que os rendimentos familiares mais baixos estavam associados a pontuações mais altas de ansiedade ecológica, sugerindo que a vulnerabilidade económica pode amplificar os medos sobre a instabilidade ambiental.
As características do território onde os jovens vivem também tiveram um papel na ansiedade ecológica, embora mais subtil. Os adolescentes que vivem em áreas periurbanas (ou seja, menos urbanas) relataram sintomas comportamentais mais baixos de ecoansiedade em comparação aos que vivem nas cidades, sugerindo os benefícios psicológicos da proximidade com a natureza e da exposição reduzida à poluição.
Tiago Bernardo Lopes
“Temos as moradas dos inquiridos, o que nos permitiu converter estes dados em coordenadas X e Y. Ou seja, sabemos o pontinho à superfície do planeta onde vivem estes jovens. Isso permitiu-nos fazer uma ligação com bases de dados geoespaciais com informação sobre variáveis ambientais — desde a área de espaços verdes próximos até imagens de satélite que nos dizem qual era a temperatura média à superfície terrestre no mês mais quente do ano”, explica Ana Isabel Ribeiro, que também é investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, onde desenvolveu o estudo.
Resiliência cultural
O facto de um jovem ser filho de uma mãe migrante parecia ainda trazer um efeito protector, reduzindo a probabilidade de ansiedade ecológica — uma descoberta inesperada que, segundo os autores, convida a uma exploração mais aprofundada da resiliência cultural e dos mecanismos de enfrentamento das transformações ambientais.
“É possível que estas famílias, muitas delas brasileiras, venham de territórios onde as manifestações das alterações climáticas e de desastres ambientais, como deslizamento de terras, são mais pronunciadas ou gravosas”, afirma a geógrafa Ana Isabel Ribeiro.
“Portanto, estas pessoas podem ter um limiar de preocupação mais alto do que os portugueses, para quem uma onda de calor já pode ser motivo de preocupação – é uma hipótese”, afirma a investigadora.
Como foi feito o estudo?
Ana Isabel Ribeiro observa que, no geral, os resultados do estudo “estão muito alinhados” com o que existe na literatura científica sobre a ecoansiedade. Um artigo de 2021 da Lancet Planetary Health já indicava, por exemplo, que mais da metade dos dez mil jovens inquiridos em dez países (incluindo Portugal) afirmavam conviver com a ecoansiedade. Agora, contudo, este estudo baseado nos dados da coorte Geração 21 permitiu confirmar e compreender melhor estas tendências na população jovem portuguesa.
Uma coorte consiste num grupo de indivíduos que têm características em comum, tais como a idade, geografia ou a condição médica. No caso do Geração 21, um dos maiores estudos longitudinais da Europa, a coorte é composta por pessoas que nasceram entre Abril de 2005 e Agosto de 2006 em hospitais públicos do Porto. São os dados desta coorte portuguesa, coordenada pelo epidemiologista e co-autor Henrique Barros, que foram agora usados para o estudo da revista Journal of Adolescent Health.
No Geração 21, os investigadores acompanharam desde o nascimento cerca 8600 bebés portuenses. O objectivo era (e ainda é) colectar e examinar dados médicos e socioeconómicos dessas crianças que, agora, já são jovens adultos. Em 2023, quando estavam no fim da adolescência, os cientistas aproveitaram para lhes enviar um questionário sobre a ansiedade climática.
Os cientistas do Geração 21 receberam respostas de 1188 adolescentes com idades entre os 16 e os 18 anos residentes na área metropolitana do Porto. Mais de metade dos participantes relatou níveis mensuráveis de ecoansiedade.
As questões postas aos participantes no inquérito online integram a Escala Hogg de Ecoansiedade, um instrumento desenvolvido em países anglo-saxónicos para avaliar níveis de ansiedade ambiental e climática, sobretudo em populações mais jovens. Os inquiridos foram contactados por SMS e email, com o consentimento dos pais ou encarregados de educação.
Impotência, angústia, melancolia e até culpa
A Escala Hogg é composta por 13 questões que avaliam com que frequência os inquiridos apresentam determinadas dificuldades, emoções e comportamentos. Uma das perguntas avalia, por exemplo, a frequência com que o jovem sente dificuldade em dormir ou afastar pensamentos persistentes devido à ecoansiedade.
A vulnerabilidade da Europa, em particular Portugal e outros países a sul do continente, ao aquecimento do planeta torna ainda mais relevante este esforço científico de compreender a resposta emocional das pessoas às transformações ambientais.
Fenómenos como a poluição atmosférica, o aumento das temperaturas, a erosão costeira e os incêndios florestais frequentes podem desencadear ou ampliar sentimentos de impotência, angústia, melancolia e até culpa.
Os autores defendem no artigo uma abordagem multifacetada para lidar com a ecoansiedade, combinando apoio à saúde mental, práticas responsáveis dos meios de comunicação e consciência socioecológica.
“A ecoansiedade não é apenas uma questão pessoal — é uma questão social”, argumentam os autores no estudo. “Abordá-la requer acção a todos os níveis, desde a dinâmica familiar até ao planeamento urbano.”
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