Recomeço

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Por vezes, a vida pede recomeços. Daqueles em que se fecha um ciclo para abrir espaço a novos sentimentos porque se está cansado de ocupar um lugar onde não se cabe. Nem sempre é fácil e exige mais coragem do que começar do zero, porque recomeçar significa olhar para o que aconteceu e aceitar, de forma consciente, e na presença do medo e da incerteza, voltar a correr riscos. Não se trata de ignorar o passado e a sua história, mas sim, de o reinterpretar e recontar sem tentar apagar o que aconteceu, apenas retirando dele esperança e resiliência. Por mais doloroso que seja, pode ser igualmente libertador.

Os recomeços exigem intenção e respeito. É preciso, desde logo, aceitar que não se volta a ser quem era. Além disso, estar disposto a construir algo diferente implica deixar para trás o que não funcionou e tentar, acima de tudo, um franco reencontro consigo mesmo e com os seus receios, assente na sinceridade sobre o que falhou e o que faltou.

Qualquer recomeço impõe, ainda, escuta e dedicação para reconhecer a mágoa e firmar o compromisso de cultivar um vínculo renovado e honesto; porque a coragem para recomeçar só se fortalece quando se é acolhido naquilo que se teme.

Desengane-se quem pense que o recomeço é uma linha reta ou que tem de ser perfeito. Deve, apenas, ser verdadeiro.

Não, recomeçar não significa tentar consertar o outro qual caixinha de música cuja corda se rompeu. Vai muito além disso. Requer reinterpretar o passado com a compreensão de que as dinâmicas que levaram à rutura foram construídas dentro daquela relação. Nesta medida, a responsabilidade do recomeço tem de ser partilhada, sendo isto imprescindível para gerar segurança.

“Os recomeços exigem intenção e respeito. É preciso, desde logo, aceitar que não se volta a ser quem era”
@petercalheiros

E, porque de um processo que gera elevada vulnerabilidade se trata, há dúvida e inquietação, daí a necessidade indispensável de saber que se tem ao lado alguém que ofereça constantes abraços e que não tente abafar, mas simplesmente acolher, aqueles sentimentos difíceis que teimam em ficar. Quem recomeça, deve compreender que evitar o sofrimento não o faz desaparecer, pelo contrário, dá-lhe mais força. Só quando este é assumido é que se consegue chegar onde é importante. Por isso, às vezes é preciso parar, acomodar a dor e aceitar o desconforto como um sinal de que algo está a mexer e a mudar. Não é fraqueza, é sentimento.

Intimamente, recomeçar é um ato de força que significa respeitar o tempo e o processo de cada um. Quem quer recomeçar não se apega indefinidamente ao que aconteceu, mas ao que ainda pode construir, sem permitir receber menos do que aquilo que merece.

Acima de tudo, recomeçar é confiar. Confiar, sem a ingénua leveza do pensamento positivo — que poder nenhum tem —, mas com a certeza de que por detrás de cada decisão tomada há um conjunto de emoções que pulsam em conformidade com aquilo em que se acredita, inclusive no amor. Não um amor perfeito, provavelmente esse não existe, mas um amor audaz que faça acreditar que quem decide recomeçar tem ao seu lado alguém que sabe ler o invisível e o indizível: que por trás da aparente força habita o receio escondido da queda e de não conseguir voltar a erguer-se. Porque existem mágoas que podem não deixar avançar. Por isso, é preciso acolher a dor com paciência, até que, devagarinho, a ferida encontre o caminho para se tornar cicatriz.

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