Sr. ministro, o problema das residências universitárias não são os pobres

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A mais recente declaração do Ministro da Educação não é apenas infeliz. É reveladora. Ao sugerir que pessoas mais pobres degradam residências universitárias e serviços públicos, o ministro disse em voz alta aquilo que este Governo parece pensar em silêncio desde o primeiro dia. Para eles, o problema não é a falta de investimento, nem a precariedade, nem o abandono do Estado. O problema são os pobres.

Enquanto estudante, é impossível ouvir estas palavras sem sentir um nó no estômago. Porque quando o ministro aponta o dedo aos mais pobres está a apontá-lo também aos estudantes bolseiros, aos deslocados, aos filhos de trabalhadores que lutam todos os meses para pagar renda, transportes e propinas. Está a dizer-nos que não pertencemos ali. Que somos um incómodo.

Não é a primeira vez que o ministro demonstra este desprezo. Ainda há pouco tempo afirmou que não via necessidade de mudar o modelo dos exames nacionais e que o preço do alojamento não tinha relação com a diminuição do número de estudantes no ensino superior. Para quem vive esta realidade, estas declarações só podem ser vistas como cegueira ou má-fé.

O sistema de exames continua a ser defendido como uma garantia de qualidade, mas a pergunta que fica é: qualidade para quem? Para os alunos que podem pagar explicações semana após semana? Para quem tem estabilidade emocional, financeira e familiar suficiente para aguentar a pressão de uma prova que decide o futuro em duas horas? Porque para os outros, os que estudam em escolas sem recursos, os que trabalham, os que vivem em casas onde o silêncio é um luxo, o sistema não mede mérito muito menos garante qualidade. Mede resistência à desigualdade.

Os números falam por si. Menos estudantes a entrar no ensino superior, milhares de vagas por preencher. E ainda assim o Governo insiste em tratar isto como normalidade. Ao mesmo tempo, o acesso à habitação estudantil continua a ser uma miragem. Menos de cinco por cento dos estudantes têm vaga em residências públicas. No mercado privado, quartos a 400 ou 500 euros tornaram-se regra. Em muitas cidades, estudar é um privilégio reservado a quem pode pagar para existir.

Quando o ministro diz que os pobres degradam residências, está a inverter a realidade. O que degrada o ensino público é o abandono político. O que degrada as residências é a falta de manutenção, de investimento e de respeito. O que degrada os serviços públicos é um Governo que os vê como um fardo e não como um direito.

Este discurso não é inocente. Serve para justificar a exclusão e normalizar a ideia de que o ensino superior não é para todos. Serve para esconder um projecto político que aceita, e até promove, que estudar seja um privilégio de classe. Este Governo não esconde o seu incómodo com os mais pobres. Em muitos momentos, parece mesmo odiá-los.

Mas nós, estudantes, estamos aqui. Somos filhos do ensino público. Somos o resultado de sacrifícios que não aparecem nas estatísticas. E recusamos ser tratados como o problema. A educação não pode ser uma corrida onde alguns largam metros à frente. Não pode ser um filtro social disfarçado de mérito.

O ministro pode continuar a dizer que não vê motivos para mudar. Nós vemos todos os dias. Nas salas de aula, nas casas sobrelotadas, nas residências caindo aos pedaços, nas contas feitas ao fim do mês. Um pedido de desculpas é pouco.

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