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A retórica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a Venezuela escala de forma preocupante. Em entrevista ao jornal Politico, Trump não descartou a possibilidade de uma invasão terrestre ao país sul-americano. Pouco depois, os EUA apreenderam um petroleiro venezuelano, um ato raro no direito internacional e que, para muitos analistas, beira a caracterização de um ato de guerra. A justificativa oficial é o combate ao narcotráfico e à entrada de fentanil em território norte-americano, apesar de a Venezuela não ser considerada uma rota relevante da droga.
Não é segredo que a América Latina ocupa, historicamente, um lugar central na política externa dos Estados Unidos. Desde o século XIX, a Doutrina Monroe, sintetizada na máxima “a América para os americanos”, serviu como base ideológica para legitimar intervenções, pressões políticas e disputas de influência na região. Durante a Guerra Fria, essa lógica se intensificou, com Washington tratando países como Brasil, Venezuela, Bolívia e outros como peças estratégicas na contenção de adversários globais.
Hoje, o cenário se reconfigura: o avanço de investimentos chineses e a presença política e militar russa reacendem antigas ansiedades geopolíticas em Washington. A escalada de Trump contra a Venezuela parece dialogar menos com o combate ao narcotráfico e mais com a velha ambição de reafirmar a hegemonia norte-americana.
O endurecimento do discurso inclui ainda ameaças ao presidente colombiano Gustavo Petro, acusado por Trump de permitir o envio de cocaína aos Estados Unidos, e novas sanções ao setor petrolífero venezuelano. Importante lembrar que o petróleo é o coração da economia do país de Nicolás Maduro, que detém as maiores reservas do mundo. O resultado é um claro sufocamento econômico, que vai além da pressão diplomática: cria medo entre empresas de transporte, encarece seguros, afasta compradores e, na prática, tenta empurrar a Venezuela para fora do mercado internacional de petróleo.
Sanções funcionam como instrumentos de pressão política, com impactos que vão muito além da diplomacia. Na geoeconomia contemporânea, elas funcionam como armas: moldam comportamentos, redesenham fluxos comerciais e produzem efeitos sociais profundos.
No caso venezuelano, décadas de sanções contribuíram para o agravamento da já existente crise humanitária, forçando o governo Maduro a recorrer a esquemas de venda informal de petróleo por meio de intermediários e aliados estratégicos, entre eles, Cuba, Rússia e China. A embarcação apreendida transportava quase dois milhões de barris de petróleo destinados aos cubanos, parte de um acordo histórico no qual o governo venezuelano garante energia a preços subsidiados em troca de apoio político, cooperação médica e assistência em segurança.
Custos e mortes
O discurso de Trump nada mais é do que a lógica clássica de poder, revestida de linguagem MAGA (Make América Great Again). Mas aqui surge a contradição central: uma possível invasão à Venezuela entra em choque direto com o princípio do “America First”. O líder norte-americano foi eleito prometendo menos guerras externas, foco na economia doméstica e rejeição a aventuras militares custosas.
Afinal, a história recente mostra os riscos desse caminho. O Iraque é o exemplo mais emblemático: uma invasão justificada por ameaças infladas, que resultou em instabilidade prolongada, milhares de mortes, custos trilionários e um fracasso estratégico amplamente reconhecido. Não há evidência de que a Venezuela ofereça hoje uma ameaça direta à segurança nacional norte-americana que justifique uma intervenção militar.
Do ponto de vista prático, uma invasão parece improvável. Não há uma força terrestre norte-americana significativa posicionada na região. Analistas do Center for Strategic and International Studies estimam que seriam necessários ao menos 50 mil soldados para uma ofensiva em larga escala. Hoje, os EUA contam com cerca de 2.200 fuzileiros navais nas proximidades. Restariam ataques aéreos — uma opção que reduz custos políticos imediatos, mas aumenta o risco de mortes de civis, violações legais e escalada regional.
Há ainda o fator doméstico. Pesquisas recentes da CBS News mostram que a maioria dos americanos se opõe a uma ação militar na Venezuela, inclusive entre republicanos. Três em cada quatro defendem que qualquer ação precisaria de autorização do Congresso, e apenas uma minoria vê a Venezuela como uma ameaça relevante aos Estados Unidos. O público norte-americano está mais preocupado com inflação, imigração e economia, justamente os temas que Trump prometeu priorizar.
É aqui que a ciência política oferece uma lente importante: a teoria do efeito rally round the flag: em momentos de crise, líderes tendem a ganhar apoio interno ao mobilizar o sentimento nacionalista. Conflitos externos podem servir para desviar atenções de problemas domésticos, consolidar poder executivo e silenciar críticas. Mas esse efeito costuma ser temporário, e, quando a guerra se prolonga e os custos (humanos e financeiros) se tornam visíveis, o apoio rapidamente se dissipa. O Iraque, novamente, é prova disso.
Padrão histórico
Trump pode acreditar que derrubar Maduro lhe renderia uma vitória política, reforçando sua imagem de líder forte e “pacificador”, especialmente se combinado a tentativas de negociação com a Rússia em outros tabuleiros. Mas o risco é repetir um padrão histórico: uma intervenção mal explicada, juridicamente contestável, rejeitada pela opinião pública e potencialmente desastrosa a longo prazo.
Milhões de venezuelanos, sem dúvida, desejam o fim do regime autoritário de Nicolás Maduro, que se mantém no poder por meio de eleições fraudadas e da repressão sistemática à oposição, como demonstram os casos de María Corina Machado e, antes dela, Juan Guaidó. Mas a pergunta central não é se a saída de Maduro seria positiva. É se uma intervenção militar norte-americana é legal, legítima, eficaz e compatível com o próprio discurso que elegeu Donald Trump.
Até agora, os sinais indicam o contrário. Mais do que libertar a Venezuela, uma invasão pode aprofundar o caos, fortalecer narrativas antiamericanas e arrastar os Estados Unidos para mais um conflito caro e impopular. Em nome do “America First”, Trump pode acabar fazendo exatamente o oposto.
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