Um livro mudou a sua vida na prisão. Em liberdade, construiu 500 bibliotecas para reclusos

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Reginald Dwayne Betts roubou um carro a um homem que estava a dormir no seu interior, num parque de estacionamento em Fairfax County, Virgínia, Estados Unidos. Betts, que tinha 16 anos na altura, foi julgado como adulto e passou quase uma década na prisão estatal, grande parte desse tempo em regime de isolamento.

Os livros não eram permitidos no “buraco”. Mas os seus colegas conceberam um sistema de roldanas, utilizando lençóis e fronhas rasgadas, para passar livros para as pessoas na solitária. “Imagina-te um adolescente de 17 anos, na solitária, e a gritar: ‘Alguém me mande um livro'”, diz Betts. “Alguém me mandou o livro The Black Poets, de Dudley Randall, e isso mudou radicalmente a minha vida.”

Betts começou a escrever todos os dias e a ler tudo aquilo a que conseguia deitar a mão. Os livros transformaram-no, conta, revelando-lhe que eram possíveis outras formas de viver.

Quando Betts saiu da prisão, obteve o bacharelato e depois a licenciatura em Direito na Faculdade de Direito de Yale. Tornou-se poeta e defensor da reforma das prisões, bem como beneficiário da Bolsa MacArthur (conhecida por “bolsa dos génios”) pelo seu trabalho com a sua organização sem fins lucrativos, a Freedom Reads, que instala bibliotecas nas prisões de todo o país.

“Temos milhões de pessoas na prisão”, afirma Betts. “Eu quero pôr milhões de livros nas prisões.” A Freedom Reads, que nasceu em 2020, é financiada por donativos, parcerias e subvenções, incluindo da Fundação Mellon e da Fundação John D. e Catherine T. MacArthur.

Reclusos numa prisão em Louisiana
Freedom Reads

A taxa de encarceramento nos Estados Unidos é mais elevada do que em qualquer outro país do mundo. O número de pessoas presas disparou nas décadas de 1970 e 1980, em resposta ao aumento da criminalidade, ao aumento das penas mínimas obrigatórias e às leis que permitiram aos tribunais julgar jovens como adultos.

Betts afirma que, para as pessoas na prisão, os livros oferecem mais do que conforto ou distracção. Oferecem possibilidades, permitindo que as pessoas imaginem novas vidas para si próprias. Betts também acredita que a leitura cultiva a empatia, permitindo que as pessoas se coloquem no lugar de outras. “Quer estivesse a ler Walter Mosley, ou quando finalmente me interessei por romances de fantasia, ou quando li A Escolha de Sofia, os livros deram-me um caminho para o mundo.”

A Freedom Reads ouve frequentemente falar de pessoas cujas vidas mudaram devido aos livros a que tiveram acesso quando estavam na prisão. Muitos deles trabalham actualmente para a organização. Na próxima semana, a Freedom Reads vai abrir 35 Freedom Libraries no Missouri em duas instalações, uma prisão para homens e outra para mulheres. Cada uma das bibliotecas tem 500 livros e estantes baixas que permitem o acesso de cada lado. A ideia é incentivar a conversa e a comunidade em torno dos livros.

O sistema prisional nos Estados Unidos é uma manta de retalhos de instalações privadas e públicas. Embora algumas prisões já tenham bibliotecas, o tamanho e a qualidade variam muito.

James Davis III ainda se lembra quando uma biblioteca Freedom Reads chegou ao seu bloco de celas na Instituição Correccional de Cheshire, no Connecticut, em 2022. “Esta biblioteca influenciou realmente a cultura da unidade.”

Davis começou a frequentar a biblioteca e a ter clubes de leitura informais. Ele e outros homens passavam uma hora a ler e depois contavam uns aos outros o que tinham aprendido. “Cada livro é como uma sala de aula”, diz. “Como comunicar, como se relacionar com as pessoas, como tratar as pessoas. Todas estas coisas são representadas nos livros.”

A 500.ª biblioteca, no Connecticut
Freedom Reads

Quando a sua sentença foi comutada e saiu da prisão, Davis estava à procura de trabalho e viu que a Freedom Reads estava a contratar. Conseguiu o emprego na área da comunicação na organização e considera que é um sonho tornado realidade. “As pessoas que estão presas também têm uma vida imaginativa robusta que estão a cultivar e que querem ser capazes de cultivar mais. E esse cultivo leva à mudança”, afiança Betts. “Ajuda-nos a nós, ajuda-os a eles. Ter acesso a algo belo é importante.”

Uma das coisas que Betts acredita que tem sido mais gratificante é fazer leituras nas prisões. Tem lido poesia e deu início a um prémio — o Inside Literary Prize — feito para e por pessoas nas prisões.

“Tem sido óptimo ver como eles se sentem. Acho que as pessoas lá dentro diriam: ‘Nós sofremos, temos angústia, queremos ser livres. Mas também temos alegria. E eu gosto de pensar que o Freedom Reads aumenta essa alegria”, aponta Betts, que recentemente tem olhado também para fora dos muros da prisão.

“Eu tinha estado a escrever muito sobre a prisão… e às vezes esquecemo-nos que temos escolhas e que podemos escrever sobre outra coisa”, diz. Arranjou um cão durante a pandemia e começou a escrever poesia sobre cães para um novo livro chamado Doggerel. Segundo ele, muitos dos poemas resultam da forma como passear o cão mudou a maneira como interagia com as outras pessoas. Começou a falar mais com estranhos.

Betts lê um poema numa prisão na Virgínia
Freedom Reads

“Muitos dos poemas resultam dessa comunicação”, relata. “Já tinha passado por pessoas centenas de vezes. Estava a pensar em dizer olá, mas pensei: ‘Porque te estou a dizer olá? És um estranho.”

“Mudou a forma como eu interajo com o mundo e a forma como o mundo interage comigo”, continua. O cão ensinou-lhe a confiar e a render-se, aproximando-se sem medo de outras pessoas e cães e obrigando Betts a estabelecer ligações com eles também.

Em Agosto, a Freedom Reads abriu a sua 500.ª biblioteca na York Correctional Institution, a prisão feminina do Connecticut. Betts leu o livro Doggerel e todas as mulheres presentes receberam um exemplar, e fizeram fila para que ele o autografasse. Uma das reclusas fez um mural a celebrar o marco e partilhou o slogan da organização: “A liberdade começa com um livro.”


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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