Um talha enigmático e explosivo do Alentejo e de Jerez de la Frontera

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Recentemente, impressionou-nos este branco de talha, nascido de uma parceria entre o português Tiago Macena, enquanto enólogo da Adega Marel, na Amareleja, e o espanhol Raúl Moreno. É um grande vinho, que, sendo de talha, não tem a adstringência ou a tipicidade aromática dos talhas clássicos, se é que o podemos dizer assim.

De um amarelo-dourado luminoso, o copo revela-nos primeiro um bouquet para lá de intenso e de grande complexidade — fruta tropical menos óbvia (cheirou-nos a meloa madura, goiaba, por aí), a uva-passa branca, a algo vegetal (sebe verde) e a algo agridoce também —, para depois na boca explodir numa experiência tão ou mais intensa. Salino, fresco, estruturado e texturado, cheio de sabor, picante e com um final marcado pelo tanino subtil, mas com um timing perfeito, este é um vinho gastronómico, mas que não precisa verdadeiramente de comida. É, sozinho, uma maravilha.

Macena e Moreno quiseram olhar para o vinho de talha e reinterpretá-lo segundo uma única regra: não havia regras. O resultado é um vinho enigmático, porque original. O Rabo de Ovelha, casta principal de um lote que também deita mão ao Palomino Fino e ao Roupeiro, é de uma vinha com cerca de 17 anos, que faz parte da parcela “Narra” da Adega Marel. As uvas desse vinho — apenas um dos ingredientes deste non millésime (vinho que mistura diferentes anos de colheita) — foram vindimadas cedo, em meados de Agosto de 2022, no ponto de equilíbrio entre acidez, concentração e açúcares (álcool provável).

Apanhadas à mão e transportadas em caixas de quilos, foram depois desengaçadas e colocadas numa só talha. Parte das películas ficou em suspensão, como manda a tradição, e outra parte foi mergulhada no mosto ao jeito das infusões, em sacos de nylon. O objectivo? Controlar a adstringência típica dos vinhos de talha. Durante a fermentação, para além de mergulharem a manta, os enólogos agitaram a “infusão” para uma extracção aromática mais rica. Terminada a fermentação e retirados os sacos de películas, a talha foi atestada.

O vinho ficou em contacto pelicular com as películas que estavam em suspensão livre até 8 de Setembro e depois disso o vinho foi trasfegado para uma antiga “bota” (casco de madeira) de Amontillado, onde estagiou um ano. A esse vinho, os dois enólogos juntaram 220 litros de Palomino Fino (o nosso Listrão) de 2023, e vindo de Jerez de La Fronteira — região famosa pelo vinho Jerez (também conhecido como xérès ou sherry —, que haviam fermentado em inox, estagiado depois noutra “bota” de Amontillado (em castanho) e novamente em inox. O Roupeiro, de 2023, passou pelo mesmo, com a diferença de ter fermentado na talha. Meio ano para “casar” o lote, mais oito meses de garrafa e o vinho estava pronto a lançar em Abril último.

A parceria ibérica já tinha originado outros vinhos, um tinto e um branco de 2021 e um palhete de 2022. Ao que tudo indica ficar-se-á por este El Resplandor Non Millésime (2666 garrafas), porque explicou-nos David Morgado, director-geral da Adega Marel, que os “entendidos” podem ter gostado muito do vinho, mas o consumidor final estranhou-o. E também torceu o nariz ao preço. Nós também, mas por razões diferentes. Na nossa opinião, por 16 euros, é um achado. A boa notícia é que os produtores ainda têm “algum stock” deste vinho irrepetível.

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